Revistas \ 2003 \ Blender (Dezembro)

A Blender era uma revista de música voltada para o público masculino

Christina Aguilera detona Britney, Beyoncé e os seus valores absurdos

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A MULHER DO ANO – A boa, a má e a suja.

O que é preciso fazer para se tornar A Mulher do Ano pela Blender? Para Christina Aguilera, é preciso encarar as gravações de um novo disco sem medo, um bom par de calças de cowboy cortadas e a refrescante vontade de falar o que pensa: sobre a MTV, Beyoncé, Britney, Britney e Britney. “Essas pessoas não são artistas”, ela resmunda. “São… falsos.”.

“Deixa ele entrar”, ela diz à assistente pessoal quando a Blender chega na porta da frente. Incidentalmente, ela está nua na cama, exceto por estar se cobrindo com as cobertas. “Eu quero dizer oi”.

Passa um pouco das dez horas em uma mística terça-feira à noite em setembro, no alto de Hollywood Hills. A afastada casa de Christina Aguilera – oponente o suficiente para sugerir que a riqueza dela é imensa, o gosto para decoração é eclético e o amor por velas perfumadas é ilimitado – está cheia de gente que trabalha para ela. O motivo para a reunião de hoje à noite pode parecer meio bizarro para as pessoas normal, mas assim é a vida de uma superestrela internacional.

Ontem, a Mulher do Ano tingiu o cabelo de uma sombra de preto para outra. Consequentemente, a mídia mundial quer tirar a prova fotográfica, então ela chamou um amigo fotógrafo para gravar a evidência e distribuir. Blender é apresentada à equipe de fotos, aos assistentes, aos maquiadores, aos assessores de imprensa, aos assessores pessoais, e aos dois cachorros saltitantes, Stinky e Chewey, para então receber um aperto de mão mais firme do que você espera. “Eu já vou sair em um minuto”, ela diz. “Sinta-se em casa. Faça um passeio por aí, é um lugar lindo.”.

Ela não está mentindo. Localizada no final de uma rua mais afastada, com casa de estrelas do cinema por perto, a residência de Aguilera ilustra perfeitamente o arco que ela seguiu nos últimos anos (o disco de estreia vendeu 8 milhões de cópias; o álbum atual, Stripped, já vendeu 3 milhões e continua crescendo). A casa não é imensa, mas é bem confortável: tem três banheiros, duas salas de estar, uma cozinha, um cinema, uma piscina e uma cachoeira. Uma foto emoldurada de dois dos mais recentes herois de Christina, Andy Warhol e Jean-Michel Basquiat, enfeita uma parede. A luz compõe os ambientes, e a visão do jardim – Los Angeles iluminada sobre o céu escuro da noite – é cinematicamente sedutora. E no banheiro, o papel higiênico é muito macio.

“Legal, né?”, ela diz quando sai do quarto meia hora depois. Ela está vestida – e eu uso essa palavra com muita cautela – em um minúsculo vestido que para milímetros abaixo do osso púbico. Mostra mais pele do que esconde, e toda vez que ela se abaixa para pegar uma xícara de café, abre um pouco no decote.

A primeira coisa que você percebe é que ela é muito mais bonito do que as fotografias mostram. De perto, ela parece menos com Marilyn Manson e nem um pouco perto de uma rainha pornô. Principalmente, ela parece delicada, vulnerável e minúscula. Os pés e mãos parecem de uma boneca. Mais tarde, quando ela diz que sente orgulho das curvas femininas – como se ela se enxergasse Jennifer Lopez quando olha para baixo – sua reação é: Que curvas? Só Deus sabe de onde aquela voz enorme sai. E mais do que tudo, ela tem a aparência bem jovem. Mas a garota de 22 anos de idade, espontânea e honesta, conversa como uma adulta.

“Antes desse ano, eu sofri muito na vida.  Eu fui machucada e magoada demais, repetidamente. Esse ano eu finalmente aprendi a superar e me tornei uma adulta. Stripped foi minha maneira de segurar as rédeas e assumir controle total da minha carreira. Eu não sou mais uma entertainer. Eu sou…”, ela diz, pausando para para pegar o café, e me fazendo engravidar de expectativas, “uma artista”. Ela diz tudo isso olhando firme nos meus olhos, como se me desafiasse a discordar. Ela não piscou hora nenhuma.

A história do sucesso memorável de Christina Aguilera é a história da superação se sobrepondo à advsersidade, talento se sobrepondo à insegurança e calças cortadas se sobrepondo ao umbigo de fora. Como Pink, Aguilera veio de um lar quebrado, e até hoje ela carrega consigo as cicatrizes físicas e mentais de um pai violento. Militar, Fausto Aguilera era lotado em vários lugares pelo mundo, e pelos primeiro cinco anos da vida da filha dele, a família foi estacionada em Tokyo. As memórias que a cantora tem do Japão são, em sua maioria, as ruins: papai bate na mamãe e ocasionalmente na filha também. As coisas ficaram tão insuportáveis que a mãe dormia com um frasco de Mace embaixo do travesseiro, para se proteger. Sempre que outra briga começava, a pequena Christina se escondia no quarto e cantava para os bichos de pelúcia para abafar os gritos.

“Era a minha forma de lidar com a situação”, ela comenta. “Eu me escondia embaixo da cama, cantava e pensava para mim mesma, ‘um dia, eu vou fugir disso tudo e virar uma cantora famosa'”. Quando completou 6 anos, a mãe pediu divórcio e voltou para os Estados Unidos com Christina e a irmã mais nova. Aos 12 anos, Christina foi uma Mouseketeer com Britney Spears e Justin Timberlake. Cinco anos depois, com o clássico do pop moderno, “Genie in a Bottle”, ela conseguiu alcançar os sonhos da infância mais tenra.

“Você acha que eu estaria feliz, né?”, ela diz, com uma expressão no rosto que sugere o contrário. “Mas eu estava constantemente interpretando um papel ditado pelo meu empresário na época e pela minha gravadora. Eu odiava quem eu tinha que ser, e eu sabia que se fosse para continuar nessa indústria, eu teria que fazer tudo do meu jeito. Stripped tinha que ser um álbum experimental e um verdadeiro retrato de quem eu sou. Não me importava se eu ia vender uma cópia, ou um milhão. Eu tinha que ser real.”.

Stripped é real, sim. E também um grande, por vezes chocante, contraste com as cores suaves do álbum de estréia. É um disco de cicatrizes de uma guerra (Fighter fala do pai que ela mal viu desde que saiu de Tokyo; Walk Away é sobre o ex-namorado Jorge Santos) e de auto-confiaça desafiadora (Keep On Singin’ My Song e a bela Beautiful, que diz: “Eu sou bonita, não importa o que digam/Palavras não podem me deprimir/Então não me deprima hoje”).

Christina chamou o talento da ex-vocalista do 4 Non Blonds, Linda Perry, para ajudar na reinvenção radical, igual Pink fez para vendas as 5 milhões de cópias de M!ssundaztood. A direção seguida em Stripped  não é teen-pop, mas sim soul, gospel, rap e rock, destacando não só o espírito de independência de Aguilera, mas o estilo vocal que Whitney House aplaudiria. Muito dele é amigável as rádios, mas, por exemplo, o primeiro single Dirrty, o dueto rancoroso com Redman, é uma música que aterrorizou a rádio. O vídeo proibido para menores de 13 anos contribuiu para isso: um clipe dirigido por David LaChappelle que tinha Aguilera como anfitriã de uma orgia pós-apocalipse. O resultado foi o choque e espanto de uma América moralista que imaginava onde a rainha do baile que estreou em 1999 tinha ido parar.

“Eu amo Dirrty”, ela diz com um orgulho aparente. “É uma música excelente, principalmente porque veio da garota que cantava Genie In A Bottle. Eu gosto de chocar, eu acho inspirador. Eu gosto de brincar e experimentar, da forma que eu me sinto no dia a dia”. O fracasso comercial do single, ela insiste, a incomodou muito pouco.

“Quando você é artisticamente ousada e aberta, na música e no vídeo, um monte de gente automaticamente se sente ameaçada, especialmente aqui na América. É assim que as coisas são. OK, eu posso ter sido a garota semi-nua do vídeo, mas se você prestar atenção, vai ver que eu sou o centro das atenções. Eu não sou uma garota qualquer num clipe de rap; eu estou na posição de comando, no completo controle de tudo e de todos em volta de mim. Conseguir ser ousada dessa forma, para mim, é o que define um artista”.

Não se engane sobre uma coisa: Christina Aguilera se vê como alguém muito melhor que uma mera estrela pop. Ela vai falar disso em vários momentos, se comparando a uma série de artistas com carreiras que, nos atrevemos a dizer, têm muito pouco em comum com a dela. “Veja Van Gogh”, ela diz. “Ele não conseguia vender um quadro sequer nem para salvar a própria vida. O pobre homem tinha que doá-los. O mesmo com Basquiat. Ele era chamado de “Cesta de Basquete”. Sério! Mas se isso é o necessário para ser um verdadeiro artista, eu estou preparada para sofrer”.

As críticas de Dirrty espalharam-se no mundo. Muitos dos colegas de Aguilera, de Shakira à Jessica Simpson, consideraram a imagem nova um passo além do limite; Kelly Osbourne nunca perdeu uma oportunidade de falar mal dela em público; e o Saturday Night Live zombava com paixão contra a censurável, cheia de piercings, nova Xtina.

“É óbvio que as críticas magoam. Eu sou humana”, ela diz, um pouco chateada. “Na verdade, o quadro no SNL foi bem ruim. Eu conseguiria fazer um roteiro mais engraçado. Mas quem se importa? Quando me coloquei nessa posição, eu estava preparada para levar os socos, e acredite em mim, eu consigo levar socos”.

Segundo ela, ninguém é ousada como ela é ousada. “Veja pessoas como Beyoncé ou Britney. Elas estão desesperadas para passar a imagem de garotinhas doces e boazinhas, mas quando você olha as fotos delas em revistas, estão pousando de forma extremamente sexuais. Então para que fingir que são como virgens em entrevistas?”. Ela coloca um dedo na boca, como Lolita, e faz uma imitação perfeita de Spears. “Oh, meu Deus, eu não beijo um garoto há tanto tempo!”.

Ela tira o dedo da boca. “Vamos lá meninas, parem de se contradizer! Se querem fazer aquelas capas e aqueles clipes, ótimo, mais poder para vocês. Mas não se façam de inocentes depois.”, ela balança a cabeça. “Eu não vou me esconder do que sou, nunca mais. Sou uma mulher sexualmente forte, e tenho orgulho disso. Se alguém tem algum problema com isso, problema deles”.

Independente disso, a repercussão negativa em Xtina induziu um pouco de pânico, se não em Aguilera, certamente na gravadora e nos empresários, que rapidamente contrataram a famosa firma de relações públicas PMK para ajudar a salvar o navio. Esqueceram do couro e das algemas para colocar em cena uma Christina mais doce, serena. O próximo single foi a balada Beautiful. O resultado foi um sucesso ressoante: um hit #1 e alívio para todo mundo. Aguilera, no entanto, nega que tenha acontecido dessa forma.

“Beautiful sempre estava programada para ser o segundo single, pois eu achei que era um contraste perfeito para Dirrty”, ela comenta. “É uma canção muito vulnerável, e eu queria mostrar esse lado meu. Sugerir que ela foi algo de última hora, lançada para salvar minha carreira, é besteira. Besteira”.

Christina Aguilera tem uma palavra favorita agora, que ela usa com a frequência de um vícios: arriscado. Ela aparece em várias conversas, às vezes com um propósito, outras vezes só por dizer. Por exemplo, ela se descreve como uma artista arriscada e admita a atuação arriscada de Angelina Jolie. O motivo dela ter aceitado o convite de última hora da Maddona para aparecer ao lado dela e de Britney Spears no MTV Video Music Awards em agosto, foi porque a ideia soou – você adivinhou – arriscada. No final das contas, no entanto, a apresentação não atendeu as altas expectativas de Aguilera.

“O VMA foi tão… baunilha”, ela diz. “Muito seguro, previsível, sem ousadia. Exceto Madonna, Mary J. Blige e eu, nenhuma outra cantora tinha o microfone ligado. Isso me decepciona muito. Eu concordei em fazer a apresentação só porque Madonna me disse que cantar ao vivo era mandatório”.

Algo interessante acontece quando Aguilera fala de Spears. Ela deixa de fazer contato visual, se foca nas cutículas e se mostra visivelmente desconfortável, como se achasse que estava falando demais. Mas a falta de satisfação claramente precisa de uma voz, e ela dá uma. Ela sugere que, apesar de Spears ter cantado ao vivo nos ensaios, dublou quando o eventou foi ao ar.

“Quem sabe exatamente o que aconteceu?”, Aguilera suspira. “Ela deveria ter cantado ao vivo, mas no meio do caminho… não sei. Talvez um pouco de dinheiro nos bastidores mudou as coisas?…” Ela se segura um pouco e continua. “Eu não quero ter nada a ver com essa baboseira toda, na verdade. Essas pessoas não são artistas, são apenas performers. Falsos e superficiais, como todo o evento foi. Estou muito decepcionada com a MTV. Olha como eles trataram o beijo”.

Ela se refere, é claro, ao beijo. No meio da música, Madonna trocou saliva com as duas cantoras. No dia seguinte, no entanto, foi o beijo com Spears que ganhou as páginas dos jornais. Aguilera quase não foi mencionada. “A MTV nem mostrou meu beijo direito – eles cortaram a câmera para pegar a reação de Justin [Timberlake]. Que previsível, vamos ver a resposta do ex-namorado. Patético”.

E talvez sem surpresas, os lábios de Spears e de Aguilera nunca se tocaram. “Na realidade, eu topei beijar Britney” Aguilera comenta. “Mas Britney não. Ela… pareceu muito distante, até mesmo nos ensaios. Todas as vezes que eu tentei conversar com ela – bom, vamos dizer que ela pareceu nervosa o tempo todo. Eu queria entrar em contato com ela, porque eu percebi que ela precisava de alguém para ajudar à guiá-la”. E Aguilera – a mulher que passou todo o verão em uma turnê conjunta com Timberlake – é ideal para o serviço?

“Bom, eu cresci muito nesse ano, e no fim das contas, nós éramos amigas. Ela se comportou como uma menininha perdida, alguém que desesperadamente precisava de um guia. Mas quem sabe, talvez eu não seja a pessoa certa para oferecer essa ajuda. Nós somos muito diferentes, não somos? No nosso mundo, existem diversos tipos de famosos. Você tem os artistas e os performers normais. Eu sou uma artista, e, bem…”.

Enquanto mais outra frase sobre Spears fica sem fim, ela se permite a dar um sorriso discreto. Mais tarde, ela reclama que a imprensa mantém as histórias de rivalidade em discussão, como se ela mesmo não tomasse parte nisso. Mas ela constantemente alimenta as chamas.

Recentemente, Aguilera modelou um pouco, primeiro para a grande amiga Donatella Versace e agora para a Skechers, a mesma marca de tênis que Spears promoveu dois anos atrás. Seria isso uma coincidência?

“Certamente!”, ela insiste. “Eu não faço as coisas pensando no que ela faz ou não faz, sabia? De qualquer forma, o que ela fez foi algo envolvendo patins. Eu não planejo fazer nada parecido com essa besteira”. Além disso, ela diz firmemente, a campanha dela será muito mais arriscada.

Agora vamos deixar para trás o assunto polêmico de Britney Spears e passar a tratar de tópicos mais felizes. Depois da lenta cura do coração, partido no ano passado pelo já mencionado Jorge Santos, Aguilera está apaixonada de novo, desta vez com o empregado de 25 anos de uma firma de gerenciamento musical, Jordan Bratman. Relutante em discutir qualquer aspecto da vida a dois, ela só diz que estão felizes – muito felizes.

“Ele tem um espírito incrível, e é tudo o que eu preciso em minha vida agora. Com ele, minha vida é perfeita”. Ela fala rindo bastante, e me lembra a garota que ela já foi um dia.

A satisfação dela pode ter demorado a chegar, mas foi merecida. Nos últimos doze meses, Christina Aguilera se consolidou como a maior estrela pop a se reinventar desde Madonna. O fato, por si só, merece comemorações, e esse também: Finalmente, a vida dela está conseguindo um pouco de paz.

“As coisas estão ótimas agora”, ela conta. “E eu não tenho nenhum arrependimento do que já passei, nem mesmo do que aconteceu com meu pai, porque de várias formas, me fez quem eu sou hoje”. O pai dela a escreveu recentemente, dando parabéns pelo sucesso e confessando os sentimentos de um pai orgulhoso. A filha gostou de saber disso, mas descarta qualquer possibilidade de um re-encontro. “Meu pai é muito próximo do irmão dele, meu tio, que é, basicamente, esse idiota que fica vendendo histórias para os tabloides”. A face dela fica rígida. “Eu sofri muito para me permitir a voltar àquela época”, ela diz. “Cansei de ser a vítima”.


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